Sabe aqueles conteúdos que você tem certeza que sabe, mas se tiver que explicar engasga? E quando essa matéria é extremamente importante do ponto de vista clínico e fisiológico? Pois é, uma das muitas coisas em medicina que se encaixam nesse perfil me parece ser o dérdito cardíaco, digo crédbito cardíaco, digo Débito Cardíaco – maldito Porta dos Fundos.
Você até sabe o que é, com alguma dificuldade diz se ele é adequado ou não, mas o bicho pega se tiver que concluir qual das variáveis que influenciam no Débito Cardíaco está predominantemente afetada em determinada situação. Só que advinha só: a galera da Sala Vermelha vai desfazer esse nó!
Antes de mais nada, é preciso saber que o Débito Cardíaco depende basicamente da Contratilidade Miocárdica, da Frequência Cardíaca, da Pré-carga e da Pós-carga. Sendo que é bom discriminar que, enquanto a Contratilidade e a Frequência são fatores que dependem exclusivamente do miocárdio, a Pré e a Pós-carga são fatores complexos que dependem tanto do miocárdio quanto podem influenciar o músculo cardíaco em suas funções.
O Débito Cardíaco depende da Contratilidade Miocárdica, da Frequência Cardíaca, da Pré-carga e da Pós-carga.
Tá, isso você leu no livro, né? Agora, pra facilitar, tenta imaginar que o coração é um ciclista!
“Cara, do que você tá falando?!”
É sério! Vai te ajudar, quer ver?
A Pré-carga é, academicamente, o grau de tensão das fibras cardíacas ao receber o retorno venoso e, na maioria dos casos, pode corresponder à pressão venosa central (PVC) [1]. Então, no nosso exemplo, a Pré-carga é como um golpe de vento que atinge o ciclista a favor do movimento! Sem dúvida o vento ajuda muito, e é por esse motivo que pacientes portadores de insuficiência ventricular direita aguda – como no caso de um infarto que envolva o ventrículo direito, por exemplo – geralmente se beneficiam da infusão de líquidos[2].
“Quanto mais vento melhor!”
Opaaa! Pera lá! Sem dúvida o vento ajuda muito, mas o excesso de vento pode ser danoso, principalmente se sua bicicleta (o coração) não é lá das melhores! É por esse motivo que pacientes portadores de insuficiência ventricular direita devem ter a ingesta/infusão de líquidos cautelosamente ajustadas!
A Pós-carga, no livro, é o grau de tensão máximo que as células cardíacas enfrentam para que o sangue seja ejetado; por isso, é intimamente relacionada à Pressão Arterial (PA) e à Resistência Vascular Periférica (RVP). [1] A pós-carga pode ser entendida como a estrada em que a bicicleta vai ser pedalada. Pensa comigo: uma baixa RVP seria como uma bicicleta descendo a ladeira, o trajeto favorece o movimento. O raciocínio contrário também é válido: uma alta RVP pode ser entendida como uma ladeira.
“E qual a aplicação prática disso?”
Ora, são muitas!
Pense no uso de aminas vasopressoras no caso de um paciente séptico, por exemplo. Caso você abuse na dose de um vasopressor, a RVP vai ser estratosférica – por causa da acentuada vasoconstrição a nível arteriolar – e, caso haja uma disfunção de ventrículo esquerdo pré-existente, o paciente pode exibir uma queda importante do Débito Cardíaco. É como se você estivesse colocando um ciclista já cansado para pedalar ladeira acima! Isso justifica, muitas vezes, a necessidade de um inotrópico em associação a um vasopressor nessas situações!
Outra aplicação desse conceito é o uso de vasodilatadores em caso de insuficiência ventricular esquerda diastólica (IVEd), por exemplo. Pensa comigo: a IVEd também acaba funcionando como um ciclista cansado, já no fim da prova, que pedala aos trancos e barrancos, certo? Nada mais justo, então, que reduzir a RVP (colocá-lo numa ladeira declinada) para facilitar a saída de sangue do VE, não acha? E como eu faço isso? Com vasodilatadores arteriais, como Hidralazina associada ao Dinitrato de Isossorbida[3].
“Quanto mais inclinada a ladeira, melhor! ”
Mais uma vez: vá com calma! O clichê – verdadeiro – diz que, na medicina, nem sempre, nem nunca! Claro que temos que ter cuidado com o uso desses fármacos. Lembra que a Pressão Arterial é o produto entre o Débito Cardíaco e a Resistência Vascular Periférica?
PA = DC x RVP
Então, se eu reduzo demais a RVP, eu posso desencadear uma taquicardia reflexa que visa manter os níveis tensionais dentro da normalidade. Agora pensa: e se o paciente for um coronariopata? Esse aumento no consumo miocárdico de O2 pode ocasionar um processo anginoso! [4]
Nosso próximo parâmetro é a Contratilidade Miocárdica. A força com que os miócitos contraem pode ser comparada aos músculos do ciclista que pedala nossa bicicleta. Quanto mais forte ele pedala, mais rápido a bicicleta viaja. Esse é mais tranquilo de entender, não?
“Então situações como lesões e comprometimento nutricional prejudicariam nosso ciclista. ”
Cara, exatamente isso! As lesões poderiam ser comparadas a danos estruturais, como fibrose pós-infarto [5]. E os prejuízos nutricionais são comparáveis à insuficiência cardíaca causada por Beribéri – deficiência de Tiamina (Vitamina B1) – por exemplo[7].
Por último e não menos importante, temos a Frequência Cardíaca. Esse provavelmente é o componente mais facilmente compreendido: quanto mais rápido nosso ciclista pedala, mais rápido a bicicleta viaja.
“Já sei, nem sempre, nem nunca, então se o ciclista for rápido demais, ele pode não conseguir completar a prova…”
Tá pegando o jeito da coisa, hein!? Sua observação for perfeita e digo mais: pedalar rápido demais pode ser deletério! Veja o exemplo das Taquiarritmias: agudamente, elas podem gerar um débito insuficiente por desorganização do ritmo [8]; já a longo prazo, um quadro conhecido como Taquicardiomiopatia pode se instalar.
“Taqui-quem?!”
É uma condição razoavelmente rara, mas que envolve a dilatação das câmaras cardíacas e sua consequente disfunção devido à sustentação crônicas de ritmos com frequências elevadas, como Flutter Atrial, Taquicardia atrial, Taquicardia Ventricular por Reentrada Nodal e Taquicardia Ventricular [9].
E aí? Consegui desfazer o nó? Já se considera o verdadeiro “macaco da bola azul” no tema de Débito Cardíaco? Qualquer dúvida pode falar com a galera da Sala Vermelha, porque a gente te explica!
Vídeo “Quem Manda” – Macaco da Bola Azul
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Vincent J-L. Understanding cardiac output. Critical Care. 2008;12(4):174. doi:10.1186/cc6975.
[2] Inohara T, Kohsaka S, Fukuda K, Menon V. The challenges in the management of right ventricular infarction. European Heart Journal Acute Cardiovascular Care. 2013;2(3):226-234. doi:10.1177/2048872613490122.
[3]Cole R.T., Kalogeropoulos A.P., Georgiopoulou V.V., et al: Hydralazine and isosorbide dinitrate in heart failure: historical perspective, mechanisms, and future directions. Circulation 2011; 123: pp. 2414-2422
[4] Thadani U, Ripley TL. Side effects of using nitrates to treat heart failure and the acute coronary syndromes, unstable angina and acute myocardial infarction. Expert Opin Drug Saf. 2007 Jul;6(4):385-96. Review. PubMed PMID: 17688382.
[5] Ibáñez B, Heusch G, Ovize M, Van de Werf F. Evolving therapies for myocardial ischemia/reperfusion injury. J Am Coll Cardiol. 2015 Apr 14;65(14):1454-71. doi: 10.1016/j.jacc.2015.02.032. Review. PubMed PMID: 25857912.
[6] Calò L, De Ruvo E, Sette A, Sciarra L, Scioli R, Sebastiani F, Topai M, Iulianella R, Navone G, Lioy E, Gaita F. Tachycardia-induced cardiomyopathy: mechanisms of heart failure and clinical implications. J Cardiovasc Med (Hagerstown). 2007 Mar;8(3):138-43. Review. PubMed PMID: 17312430.
[7] Imamura T, Kinugawa K. Shoshin Beriberi With Low Cardiac Output and Hemodynamic Deterioration Treated Dramatically by Thiamine Administration. Int Heart J. 2015;56(5):568-70. doi: 10.1536/ihj.15-033. Epub 2015 Sep 4. PubMed PMID: 26346515.
[8] Cohn K, Kryda W. The influence of ectopic beats and tachyarrhythmias on stroke volume and cardiac output. J Electrocardiol. 1981 Jul;14(3):207-18. PubMed PMID: 7264499.
[9] Morris PD, Robinson T, Channer KS. Reversible heart failure: toxins, tachycardiomyopathy and mitochondrial abnormalities. Postgrad Med J. 2012 Dec;88(1046):706-12. doi: 10.1136/postgradmedj-2011-130698. Epub 2012 un 28. Review. PubMed PMID: 22745181.